Reportagem do Diário do Nordeste, destaca crescimento no desenvolvimento do Alto Piranhas

Sertão supera a seca
Mesmo em meio ao clima sempre tido como adverso, cidades interioranas vêm despontando no meio do semiárido

O sertão não virou mar. Tampouco a chuva, compadecida do histórico sofrimento sertanejo, resolveu fazer as pazes com as terras de lá. A seca continua, como sempre. Mas, para algumas localidades do semiárido nordestino, a estiagem já não motiva mais as angustiadas ladainhas de lamentação. O solo, que antes expulsava os seus filhos, hoje atrai gente das grandes metrópoles. O clima é o mesmo, mas a atitude do homem está, aos poucos, criando um novo sertão - na rota do desenvolvimento.


A terra rachada, a seca, a fome, a desnutrição são elementos de uma imagem construída ao longo de décadas, fruto não somente das condições climáticas, mas também de descaso político. O Nordeste foi se desenvolvendo pelo litoral; o Interior, com todas as suas problemáticas, foi sendo esquecido. Por muito tempo, não se acreditou nas potencialidades destas terras semiáridas, que ocupam 86% do território da região e abrigam 15% da população nacional (incluindo a parte que se expande pelo norte do Sudeste). Dessa sofrível realidade - que ainda não deixou de existir - já se falou muito.

Um novo olhar

Pouco se sabe, contudo, de um sertão que vem dando certo, aquele que desenvolve atividades econômicas que começam a revolucionar e contrapor este estereótipo nordestino. Ele existe, sim, e cresce.

Ao longo desta vasta área, foram-se criando polos de desenvolvimento econômico, que têm como base diversas atividades produtivas. Alguns são polos já consolidados, gestados à época da forte atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) - hoje recriada e cinquentenária -, num período em que o avanço do Nordeste começou a ser pensado de forma sistemática. Exemplos disso são a atividade agroindustrial de Petrolina-Juazeiro, entre Pernambuco e Bahia, e a calçadista do Cariri, no Ceará. Já outros caminharam de forma mais lenta, porém, hoje já registram um maior crescimento e se inflam de expectativas para um futuro próximo. É o caso, por exemplo, do polo conhecido por Alto Piranhas, na Paraíba, liderado pelos municípios de Sousa e Cajazeiras.

O Diário do Nordeste resolveu conferir estas realidades, conhecer estes espaços que, apesar de ainda terem muitos gargalos a solucionar, já não lançam todas as suas fichas nas condições meteorológicas. E uma das constatações foi a de que várias das adversidades tão esbravejadas sobre estas terras não são mais motivo de preocupação para muita gente que resolveu investir no local. O solo semiárido, antes tido como híbrido, sem perspectivas, hoje passa a ter seu valor reconhecido.
Cinza que vira verde

"Terra fértil, onde o que se planta dá", garante Carlos Porro, empresário de fruticultura na zona rural de Mossoró, sertão potiguar. E pelas terras antes cinzentas vimos brotar uva, melão, banana, goiaba, coco, milho, entre tantas outras culturas. Bastou oferecer água para ver rapidamente o cinza-amarronzado tornar-se verde. A experiência é realidade em vários projetos de perímetros irrigados, hoje responsáveis por parte significativa da produção nacional de frutas.

Parecem verdadeiros oásis encravados em meio à "mata branca", significado indígena para a palavra caatinga, vegetação predominante da região.

Com a recente exploração desse solo, encontrou-se também minerais que hoje despertam o interesse de gente grande de várias partes do mundo, e já movimentam a economia de vários municípios. E abaixo desta terra, o ouro negro.

O petróleo mudou a história de Mossoró e de muitos municípios ao redor, e agora é esperança de uma nova economia para cidades do sertão paraibano, que começam a se integrar a esta atividade.
"O sertão tem sofrido muito, agora chegou a sua vez", diz o outrora retirante e hoje investidor de Cajazeiras, Essuélio Moraes. Histórias como a dele, de gente que sofreu na seca e atualmente vê e participa do desenvolvimento do sertão, permearam a viagem de 15 dias que a reportagem fez pelas "brenhas" nordestinas. Um interior que busca seu espaço, após séculos de esquecimento.

PERCURSO RICO

Experiências que merecem ser contadas
Agronegócio, agricultura familiar, pecuária, indústria, extrativismo mineral, comércio, turismo e serviços. Percorrendo cinco mil quilômetros no semiárido nordestino, a equipe de reportagem encontrou as mais diversas atividades econômicas pelo sertão, em regiões que são ou que vão se tornando polos, gerando divisas a diversos municípios envolvidos através de um processo de desenvolvimento integrado e, acima de tudo, mantendo o homem no Interior.
Para fazer um panorama de como o território nordestino está crescendo "pra dentro" - do processo de descentralização da economia nas capitais, que vem se consolidando -, o Diário do Nordeste visitou 13 cidades em seis estados: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia e Piauí.

Em busca de inovação

A viagem começou em terreno potiguar, visitando o município de Mossoró, maior exemplo de crescimento econômico no Interior do Rio Grande do Norte. Lá, buscamos as inovações que vêm sendo implantadas no segmento da fruticultura irrigada, além da cadeia que vem sendo construída em torno da exploração do petróleo, e sem esquecer da tradicional atividade das salinas, que se espalha por vários outros municípios da região, como em Areia Branca - único local do mundo onde o sertão encontra o mar.

De lá, voltamos para as terras alencarinas. Fomos a Limoeiro do Norte, centro da região chamada de Baixo Jaguaribe, onde a atividade agropecuária tem forte impacto na economia local e estadual, através do perímetro irrigado lá instalado. Saindo do Ceará, o destino foi Sousa e Cajazeiras, na Paraíba. Na primeira, vimos a forte atividade de produção de coco e a bacia leiteira; na segunda, encontramos uma cidade que vai se firmando como polo educacional, o que está motivando a atividade de comércio e serviços. Além disso, as perspectivas com a agricultura irrigada e com o extrativismo mineral reforçam as projeções para a economia do município. Também na Paraíba, próximo dali, conferimos a construção do maior túnel para passagem de água da América Latina, em São José de Piranhas, que está sendo instalado para um projeto que promete revolucionar não só a economia daquela região, mas boa parte do semiárido nordestino: a Integração da Bacia do Rio São Francisco às Bacias do Nordeste Setentrional.

Descendo no mapa
Já em Pernambuco, chegamos a Salgueiro, maior canteiro de obras dos dois principais projetos estruturantes federais para a região: a transposição do "Velho Chico" e a ferrovia Transnordestina. Descendo no mapa, paramos no polo Petrolina-Juazeiro, entre Pernambuco e Bahia, para mostrar como a utilização econômica das águas do Rio São Francisco contribuiu para transformar pequenas localidades interioranas em cidades de porte metropolitano. Além destes dois centros, buscamos experiências bem-sucedidas nos vizinhos Lagoa Grande (PE) e Casa Nova (BA).

Já nos limites do semiárido, na região de transição entre a vegetação da caatinga com o cerrado, encontramos em Bom Jesus, no Piauí, o que andam chamando de "a última fronteira agrícola do Brasil". Numa das áreas mais quentes do País, está se construindo um grande centro produtor de soja, uma das commodities que mais movimentam divisas no território brasileiro.

Por fim, voltando ao Ceará, vimos como o turismo religioso transformou a história de Juazeiro do Norte, que recentemente constituiu, juntamente com Crato e Barbalha, a primeira região metropolitana do interior cearense. Lá, também buscamos informações sobre aquele que é um dos maiores polos calçadistas do País. Muitas outras cidades mereciam ser incluídas no roteiro, mas estas já dão razoável amostra, com suas potencialidades e fragilidades, de como os trilhos do desenvolvimento já se encontram pelo interior do Nordeste.

SÉRGIO DE SOUSA

REPÓRTER

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