‘Lula tem todo o direito de não gostar de mim’, diz ministro da Justiça

Acusado por petistas de não controlar a Polícia Federal, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirma que essas críticas são injustas. Ele conta também que, já no ano passado, sugeriu à presidente Dilma Rousseff que o tirasse do cargo.

Cardozo assume ter perdido amigos e ganhado inimigos à frente da pasta. Ele até admite que o ex-presidente Lula possa não gostar dele.

“Se você quer, na vida política, se comportar dentro dos princípios do Estado de Direito, se prepare para ter inimigos e perder amigos”.

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Folha – O PT tem feito severas críticas à atuação da Polícia Federal nas operações Zelotes e Lava Jato e, internamente, responsabiliza o sr.
José Eduardo Cardozo – o ministro da Justiça sempre será acusado em investigações que atingem a área política. Os investigados reagem porque se sentem injustiçados ou em busca de um discurso de defesa. Isso acaba se revestindo de um ataque a quem também é do mundo da política. O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos dizia que esse cargo é dos mais difíceis da República, porque se é culpado pelo que se fez e pelo que não se fez. Há má compreensão do que seja o estado de direito e do papel do agente público no cumprimento da lei. Não esperem jamais que eu peça uma perseguição a um adversário ou um aliviar a um aliado.

Então, o ex-presidente Lula tem uma expectativa equivocada em relação ao senhor?
Nunca recebi críticas diretamente do [ex] presidente Lula. O que posso dizer é que tenho a consciência tranquila e que respeito a lei. Jamais irei interferir no mérito de uma investigação, só quando houver comprovados indícios de ilegalidade e de um comportamento indevido.

No caso do empresário Luis Cláudio Lula da Silva, filho de Lula, houve excessos?
Assim que soube de uma diligência feita às 23h, pedi esclarecimentos. A PF está ouvindo as chefias e o agente policial para que esclareçam por que foi feito nesse horário e qual é a regra aplicada para que se possa avaliar se houve algum desmando. Isso será submetido a mim através de um informação oficial. E isso não será feito porque é o filho do [ex] presidente. Tenho feito isso em qualquer caso que em tese poderia ser irregular.

O que acha da avaliação de setores do PT de que a PF persegue o ex-presidente?
Representem e noticiem o fato que mando apurar. O que não posso fazer é, diante de uma situação genérica, tomar providências quando os fatos não me são apresentados. Sempre que houve suspeitas de ilegalidade, mandei apurar, como no caso de suspeitas de vazamento ilegal.

Há petistas que atribuem a atuação da PF a uma solicitação da presidente Dilma Rousseff para que liberem todas as investigações, desde que ela seja blindada.
A presidente jamais me pediu que obstasse uma investigação. O que ela sempre me pergunta é: “Há algum abuso? Alguma ilegalidade?”. E apresento os relatos. Ela me pedir que a blindasse é absolutamente irrazoável. Alguém que pensa assim tem um mau conhecimento da estrutura institucional brasileira e uma má compreensão do papel do ministro da Justiça.

O sr. fez inimigos e perdeu amigos no PT?
No PT e fora do partido. Se você não quer ter inimigos, não seja ministro da Justiça. E se você quer, na vida política, se comportar dentro dos princípios do estado de direito, se prepare para ter inimigos e perder amigos. É impossível que se cumpra no Brasil a lei e aja de acordo com a sua consciência sem perder amigos e fazer inimigos.

Aliados dizem que o sr. acertou com Dilma sua saída para depois da Olimpíada do Rio.
Nunca discuti prazo com a presidente. Sempre tenho afirmado que o cargo de ministro da Justiça tem uma fadiga de material. Sou o ministro que está há mais tempo no cargo em período democrático. Estou há bastante tempo em um cargo que gera inevitável e inexorável fadiga. Mas aqui permaneço enquanto a presidente quiser e enquanto eu achar que posso contribuir com o projeto.

O sr. já entregou o cargo?
Nunca entreguei o cargo para a presidente. Apenas fiz avaliações a ela sobre as circunstâncias que muitas vezes levam um ministro da Justiça a ter uma fadiga de material e que, portanto, cabe a ela refletir o momento em que deve haver um novo ministro. Até o momento, ela não teve essa avaliação e eu respeito. Mas mesmo antes do final do governo passado, eu falei [a Dilma] que era um ministério que tinha uma situação de fadiga de material.

O Ciro Gomes disse publicamente que o ex-presidente Lula não gosta do sr.
Tenho profunda admiração pelo [ex] presidente Lula. Desconheço que ele não goste de mim. Se não gosta, deve ter suas razões e a pergunta deve ser dirigida a ele.

Dizem que o problema vem da época de uma CPI.
Não é uma CPI. É uma investigação partidária. Foi designada pela direção do PT da qual participamos eu, Paul Singer e o Hélio Bicudo. Chegamos a uma conclusão. Disseram que o [ex] presidente não gostou da conclusão. Nunca me falou. Apenas soube e até hoje se especula que ele teria críticas a mim.

Mas o sr. acha injusto esse tipo de crítica?
Ele nunca fez essa crítica direta. Vejo muitas especulações. Mas Lula tem todo o direito de não gostar de mim. Só não posso dizer quais são razões. Aliás, soube através de amigos que quando ele era presidente e eu deputado ele elogiou minhas ações.

Fossem essas críticas, se alguém criticar o sr. pela atuação na comissão ou no Ministério da Justiça, acha que ela é válida ou injusta?
Para que possa fazer uma autocrítica, tenho que saber de que me acusam. É muito comum dizer “não gostei porque você não controla a PF”. Se a crítica é que não controlo a PF, desculpe, ela é injusta. O que é controlar a PF? Seria impedir que ela fizesse as investigações com liberdade, seria orientar investigações? Isso não faço mesmo e não acho um defeito. É uma virtude, um dever. Não controlar é não punir abusos? Qualquer abuso que me chegou, tomei as medidas corretas. Não me parece que tem qualquer procedência essa crítica.

O sr. acha que serve de anteparo para não baterem na Dilma?
Não somos anteparos. Respondo pelo que faço. Claro que presto contas à presidente. Posso até errar. Mas atuo estritamente dentro dos princípios que sempre defendi inclusive como petista. Como petista, sempre defendi o Estado de Direito. Como petista, sempre defendi a ética na política. Como petista, sempre defendi que investigações não devam ser jamais orientadas pelos governos. Acho que concorro estritamente dentro do que acredito e defendi como militante petista.

O ex-ministro Tarso Genro defende a refundação do partido.
Desde 2005, a minha corrente, Mensagem ao Partido, defende a refundação. Fui candidato a presidente do PT duas vezes defendendo essa tese. Hoje, deixei de atuar dentro das instâncias partidárias porque não posso na condição de ministro. Quando deixar o Ministério darei minha contribuição de militante. Temos problemas que devem ser objeto de correção.

Há petistas que, para sustentar críticas ao sr., alegam que Thomaz Bastos soube controlar melhor a PF. O sr. vê alguma diferença nisso?
Não vejo diferença de comportamento. Sim, de conjuntura. Até porque ele foi um dos grandes responsáveis pela PF autônoma. Lula sempre incentivou isso. Houve um momento em que o irmão de Lula teve uma busca e apreensão em sua casa. E Lula fez uma declaração de grande estadista: que como presidente respeitava a PF.



MINISTRO INVESTIGOU AMIGO DE LULA

Cardozo integrou uma comissão interna do PT nos anos 90 que investigou um amigo de Lula, o advogado Roberto Teixeira, suspeito de ajudar uma empresa a obter contratos com prefeituras petistas.

A comissão o considerou culpado, mas ele recorreu ao diretório nacional do PT e foi absolvido.

Lula morou num imóvel de Teixeira por oito anos.

As acusações vieram do fundador do PT Paulo de Tarso Venceslau, que rompeu com a sigla em 1998. À época, Lula disse que Venceslau falava “asneiras”.

Folha de S. Paulo

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