A droga da USP contra o câncer funciona? Veja depoimentos

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Histórias de pessoas que tomaram a fosfoetanolamina sintética produzida na USP (Universidade de São Paulo) de São Carlos para tratar o câncer não faltam na internet. A maioria diz que teve bons efeitos, com menos sintomas e prolongamento dos dias de vida, alguns até falam em cura, mas há também os que dizem que não notaram nenhuma melhora. Apesar de serem tocantes, esses depoimentos não podem ser garantia de eficácia ou não do composto sem antes da análise clínica desses pacientes, segundo Marcello Fanelli, diretor do Departamento de Oncologia Clínica do A.C Camargo Cancer Center.

Para o oncologista, o caso de São Carlos mostra "uma falha no método científico" que desvalida a chance de ela ser encarada como um remédio. Isso porque a substância foi usada diretamente em doentes antes de serem feitos os testes clínicos para testar sua eficácia e segurança – o que é obrigatório antes de se registrar um medicamento.

Diante disso, qualquer relato de melhora deve ser encarado apenas como uma percepção, não como garantia de bons resultados, segundo o oncologista.

"Uma percepção do médico ou do paciente não serve para embasar nenhum tipo de conduta. Tudo tem que ser registrado, auditado e conferido com um número relevante de acontecimentos que estatisticamente tira a situação do acaso e seja demonstrado. Se não aconteceu dessa forma é porque infelizmente houve uma falha no método científico".

A pessoa pode melhorar por diversos fatores, tanto pelo efeito placebo (quando um remédio sem nenhum efeito é dado para pacientes para comparar com os reais efeitos do composto, e eles geralmente sentem a melhora dos efeitos em cerca de 20%), quanto por outras interações medicamentosas. Como a pessoa é acompanhada, não é possível dizer o que a fez melhorar e se ela realmente melhorou.

Além da falha, Fanelli vê uma "inversão de valores" entre as pessoas que querem a liberação da fosfoetanolamina sintética. Para ele deveria haver uma pressão social para impulsionar os testes do composto em humanos antes de ele ser oferecido a população.

"O coro deveria ser no sentido de cobrar a eficácia e segurança do composto no ponto de vista científico, não de liberar; isso é uma inversão de valor", diz.

Abaixo, ouvimos duas pessoas, filha e neta de quem tomou a substância -- uma conta das melhoras na avó; outra, que a mãe não conseguiu sobreviver.
Fez efeito


"Droga da USP contra câncer fez minha avó desenganada voltar a viver"
"Ela vomitava demais, tinha muita diarreia e foi baixando de peso depois que começou a quimioterapia. Mas o tumor no intestino não diminuiu e o do fígado dobrou de tamanho. A médica falou que ela não teria nem um ano de vida; chorei muito", lembra a enfermeira Fabricia Boni, 39, quando ouviu este ano que a avó estava desenganada.

A catarinense Lacy Cordeiro da Silva, 79, luta contra um câncer metastático que começou no intestino e hoje atinge o fígado, o pulmão e os gânglios linfáticos. Mesmo se submetendo a cirurgia e a quimioterapia, ela sofria com dores abdominais intensas porque um dos tumores praticamente fechou o intestino.

A idosa dependia da neta para se levantar e tomar banho e só conseguia se alimentar com duas colheres de sopa por dia. Passava o dia deitada no quarto e estava pesando apenas 29kg.

Sem saber o que fazer, Fabricia buscou na internet o que poderia melhorar a qualidade de vida da avó. Achou informações sobre a fosfoetanolamina sintética produzida na USP de São Carlos e optou pelo tratamento alternativo. Ela entrou na Justiça com pedido de liminar que lhe custou R$ 300 de honorários e um mês e meio depois um pacote de cápsulas com a substância chegou a sua casa em Curitiba (PR).

Segundo Fabricia, a saúde da avó, que abandonou a quimioterapia para tomar as cápsulas, começou a melhorar poucos dias depois de ela ter começado a tomar o composto diluído em iogurte e azeite. Dona Lacy voltou a comer, ganhou peso e agora fala bastante e quer "até dar umas voltas".

"Em seis dias ela engordou, parou de sentir dor. Eu estou espantada, chorei de alegria. Ela se levanta, senta, toma banho sozinha. Só a ajudo a se trocar", conta.

Questionada se não tem medo de efeitos colaterais, Fabricia diz que neste primeiro mês de uso da fosfoetanolamina dona Lacy não mostrou nenhuma reação adversa.

"Vamos supor que dê um efeito colateral daqui 10, 20 anos. Ela teria esse tempo de vida com a quimioterapia? Não. Já vi relatos de pessoas que ficaram curadas do câncer depois de dois anos tomando e sem ter efeitos colaterais", afirma.
Não teve efeito


Minha mãe morreu tomando fosfo, mas ninguém me prometeu a cura
A professora Valda Rocha, que vive em São Carlos, viu a mãe morrer depois de começar a lhe dar o composto.

Clarice de Oliveira Rocha teve um câncer que começou no pâncreas e se espalhou para o intestino, estômago e fígado. Era 2003, quando a família descobriu a doença já em metástase, a idosa de 73 anos morreu em apenas uma semana.

Valda conseguiu as cápsulas diretamente com o químico Gilberto Chierice, do Instituto de Química de São Carlos, por intermédio de um amigo professor de química. Segundo Valda, Chierice a recebeu em sua sala do Departamento de Química da USP de São Carlos onde lhe deu um pequeno pacote com "umas cinquenta cápsulas em um saco plástico transparente, sem bula".

O cientista fez perguntas sobre o estado de saúde de dona Clarice e não lhe prometeu a cura, conta Valda.

"Ele disse que talvez não tivesse efeito, deixou claro que era uma pesquisa experimental e pediu sigilo senão viria uma romaria de pessoas até lá para pegar as cápsulas e ele não teria condições de fabricar tantas", conta.

Valda diz não saber se o composto foi ou não eficaz ou se a mãe precisava de mais tempo com o tratamento alternativo. Segundo ela, a mãe tomou cápsulas em apenas dois dias e depois morreu.

Valda voltou a procurar Chierice tempos depois para saber sobre o andamento da pesquisa, mas encontrou resistência do químico em falar "por conta da falta de comprovação científica".

"Estão vendendo o doutor Gilberto como um charlatão, mas eu não percebi isso nele. Comigo ele foi muito claro, não cobrou nada. Acho que tudo ganhou essa proporção maior quando as pessoas ficaram sabendo e entraram na Justiça mesmo sem a comprovação de que funciona. Assim como eu fiquei desesperada, as pessoas também ficam e querem ter o direito de tentar."


Camila Neumam
Do UOL, em São Paulo22

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