Estado não quer indenizar inocente que foi preso e pegou HIV ao ser estuprado em presídio


Nenhum valor será suficiente para reverter a falha cometida pelo Estado do Amazonas contra o amazonense Heberson Lima de Oliveira, 32. Ex-presidiário e soro-positivo, Heberson adquiriu o vírus HIV após ser violentado e estuprado por detentos de um presídio de Manaus, onde ficou preso injustamente por quase três anos por um crime que nunca cometeu: estuprar uma menina de 9 anos.

De 2003 a 2006, Heberson viveu um inferno dentro da Unidade Prisional do Puraquequara, na Zona Leste da capital, onde sofreu a “tradicional” punição aplicada à maioria dos acusados de estupro dentro sistema penitenciário amazonense: a violência sexual brutal. Secretaria de Justiça, Polícia Civil, Ministério Público e Tribunal de Justiça erraram e deram as costas para Heberson, vítima da letargia do poder público.

O amazonense nunca recebeu ajuda e só a partir de setembro de 2013, sete anos após a liberdade, que passou a pedir na Justiça uma indenização de R$ 170.856 aos filhos, por danos materiais e morais. O valor, calculado com base em salários mínimos pelo tempo que Heberson ficou preso, sem possibilidade de trabalhar e afastado dos filhos, foi contestado pela Procuradoria Geral do Estado do Amazonas, na 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual. A PGE considera a quantia alta demais.





Atualmente, Heberson vive com a mãe no bairro Compensa, na Zona Oeste da cidade, em uma casa de condições precárias. Ele pretende voltar aos estudos e arranjar um emprego nesse semestre. Mensalmente, Heberson comparece à Fundação de Medicina Tropical (FMT), em Manaus, para consulta médica no tratamento contra a Aids, e também passou a tomar remédios em casa – a FMT é um dos únicos hospitais no Amazonas responsável pelo tratamento da Aids.

No Tropical, Heberson recebe apoio psicológico. Além disso, ele também é atendido por psicóloga voluntária duas vezes por semana em um consultório odontológico próximo à sua casa na Compensa. Ex-usuário de drogas, vício que o acometeu durante a prisão e também fora da cadeia, Heberson está firme sem consumir entorpecentes com o apoio e pressão da mãe, amigos, voluntários e do pastor de uma igreja evangélica que frequenta.

Heberson ao lado da mãe antes da doença

Comovido com a injustiça do Estado, o professor universitário da área de Direitos Humanos João Batista do Nascimento movimenta pessoas nas mídias sociais para garantir benefícios e assistência a Heberson, bem como encontrar propostas de emprego para ele. Com a ajuda de colaboradores, Nascimento pretende escrever o livro “Justiça que mata: caso Heberson Oliveira”. Segundo ele, toda renda arrecadada com a publicação será transferida para Heberson.

“O Heberson foi vítima de um erro praticado em cadeia. O sistema como um todo errou. Temos informações de que houve erros na parte de investigação policial. Isso vai ser esmiuçado no livro. Vou contar os erros na esfera policial e na esfera judicial. Não sei se poderemos responsabilizar alguém, porque para isso teria que comprovar que essas autoridades agiram de má-fé. Isso não tem como comprovar. Mas posso afirmar que o Estado errou. E se errou, ele tem que pagar”, diz.

Professor João do Nascimento (Foto: Luiz Vasconcelos)


Com apenas uma aposentadoria, a mãe de Heberson é quem sustenta a casa onde vivem, com ajuda de doações. Advogados voluntários estão preparando uma petição para buscar na Justiça uma pensão vitalícia a Heberson, ainda sem valor, ou mesmo uma casa em programas habitacionais. “O Estado acabou com a vida desse homem. E se negar a pagar chega a ser desumano. Quero rogar ao governador que pague essa indenização, mas que faça mais que isso”, declarou o professor.




Sem assistência

Logo após a liberdade, Heberson chegou a trabalhar em uma loja de material de construção, mas não aguentou o preconceito. Ele tentou se suicidar algumas vezes. “Ele quer trabalhar, mas as pessoas não dão emprego para quem é aidético. Por isso que o Estado tem que pagar uma pensão e dar uma casa para ele”, ressaltou o professor.

Fora da prisão, Heberson não recebeu assistência do poder público. “O Estado não presta assistência ao preso lá dentro, sob a custódia dele. Imagine depois. Existem milhares de Hebersons espalhados pelo País inteiro. A quantidade de presos inocentes ou pelo menos presos após trabalhos mal feitos por parte do Estado faz com que tenhamos um sistema prisional extremamente cruel”, alertou Nascimento. O registro fotográfico mais recente de Heberson é durante a ceia de Natal com a família.




O crime

O suposto estupro da menina de 9 anos ocorreu em 2003 no bairro Nova Floresta, Zona Leste. Segundo a defensora pública que comprovou a inocência de Heberson, Ilmair Siqueira, as características físicas do estuprador e as de Heberson divergiam muito. “Esse é um dos elementos que me faz acreditar que houve um grave erro da Polícia Civil. Heberson alega que havia uma rixa entre ele e o pai da menina e que ele teria sido acusado por conta dessa desavença”, afirma o professor Nascimento.

Um relatório contando o que aconteceu com Heberson foi enviado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) e à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, ainda sem resposta. O caso de Heberson foi divulgado pela primeira vez em 2011, durante a série de reportagens "Vidas Roubadas" do Jornal A CRÍTICA. Blogs e sites até hoje repercutem essa história de injustiça.


Defensora pública Ilmair Siqueira (Foto: Márcio Silva)

Após passar um tempo no tratamento psicológico e a conclusão dos ensinos Fundamental e Médio em um Centro Educacional de Jovens e Adultos (CEJA), Heberson poderá receber uma bolsa de estudos para cursar Direito em uma universidade. “Queremos que seja feita justiça social a Heberson e que um pouco de dignidade seja dada a ele”, finaliza o professor.

A Crítica UOL

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